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sábado, 31 de outubro de 2009

Barcelona_Rambalas



Homem estátua nas Rambalas
Posted by Picasa

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Carta aberta a Saramago

Confesso que me estou nas tintas para o facto de um decrépito escritor como você, ter ganho o Prémio Nobel da Literatura. Já vi – ainda agora o presidente Obama ganhou o prémio Nobel da Paz sem sequer, ainda, nada ter feito – já vi, dizia, analfabetos serem presidentes dos seus povos, idolatrados como deuses numa incensada auréola de fervor e cujos resultados futuros haveriam de projectar em fétida lama de desgraça todos os que os apoiaram. Confesso, ainda, que você não é um bom escritor; é, sem dúvida um homem mau, feio, com tiques de iluminado e que achou por bem fazer uma interpretação única da Bíblia. Você que é agnóstico – apesar de, por conveniência, ter casado com uma freira espanhola – deu-se ao trabalho de ler a principal obra que guia, pelo menos sugere, o melhor caminho aos milhões de crentes de todo o mundo. Confesso, ainda, que li o Memorial do Convento; quer dizer, li um pouco porque quando me apercebi do seu facciosismo, das interpretações malevolamente sexuais que fazia do seu conto, logo o fechei, com vontade de o devolver à Sociedade Portuguesa de Autores. Não leio mais algum pois, você, não é mais que um maltrapilho intelectual resguardado à sombra de uma bandeira, que é a minha, o que me envergonha. E sabe porquê? Há uns quatro anos atrás, você, escritor de super mercados, dizia que ia optar pela cidadania espanhola porque Portugal não o merecia. Eu convido-o a, rapidamente, fazer a sua opção porque, custa-me, sinceramente, partilhar a minha cidadania com um ignorante como você. È que se fosse apenas ignorante, eu até lhe dava algum desconto, mas não, o senhor é muito mais que isso. Ou seja, nem ignorante chega a ser porque está de tal forma doente que, qualquer palavra que vocifere indicia um internamento imediato numa clínica de dementes irrecuperáveis. Talvez que os seu amigos da sua tão decantada esquerda ainda consigam uma vaga na Sibéria, quem o sabe? Porque não "mete uma cunha" ao seu tão querido amigo Mário Soares? Eu agradecia – porque me libertava de mais duas preocupações – que o senhor, acompanhado pela sua infeliz mulher mais o gordo de Nafarros e sua bondosa esposa, nos deixasse de vez. Acredite que todos os sinos paroquianos badalariam até que as mãos dos sacristães ficassem inertes.
Não admira – agora sei porquê – que a sua primeira companheira, a ilustre escritora Isabel de Nóbrega, o tenha "despachado" para as mãos da Carmen.
Infelizmente para ela, senhora de berço dourado e fino trato, inteligente, culta, caiu numa cilada preparada pelos seus amigos da esquerda radical e acabou por se apaixonar por um Zé Ninguém, armado em intelectual mas que não passava de um reles demónio disfarçado de gente. Foi ela que o ensinou a escrever, seu artola, e, porque realmente o amava, aguentou o mais que pôde e só o largou quando, afinal, você já a tinha despojado de toda a riqueza.
Você, não passa de um homenzinho da Golegã, terra de boa gente, que passa a vida a insultar Deus, em raciocínios primários de operários de tasca em redor de naipes de cartas e cheirinhos de aguardente.
Por favor, meu "querido Sabarmago", quer dizer, Saramago, deixe-me feliz na minha ignorância e desapareça da sociedade inteligente que o senhor tão vilipendia. Assuma definitivamente a cidadania espanhola. Não sabe o enorme favor que faria a este ilustre povo das quinas.
Seu admirador, desde sempre,
Pedro Sidney

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A viagem de um amigo

(…) Recebemos uma ordem para partirmos de imediato para Quicabo, na ZMN. Iríamos prestar apoio a uma Companhia de Caçadores que estava "entalada", há sete horas, numa tremenda batalha com um batalhão de "turras" apoiado por mercenários Cubanos. Quando o Comandante, Coronel Jorge Lamas, nos comunicou que iam avançar dois pelotões, logo pressentimos a importância da operação. Também possuíamos a informação que outros dois pelotões da 2042ª já se encontravam na zona. Tínhamos aproximadamente 70 quilómetros de picada pela frente. A correr bem, faríamos o percurso em 3 horas.
– "Operação Chumbo", OK pessoal? – Gritava o Coronel. – O grupo Leopardo é comandado pelo capitão Teles e, na sua "lerpa", assume o furriel Santos. O grupo Palanca é comandado pelo alferes Lourenço e, na sua "lerpa", assume o 1º sargento Areosa. E o último comando…?
– Mama Sumae!– Gritamos todos em uníssono. Era o nosso grito de guerra.
Chegou a hora. Fizemos escolta a uma coluna de camiões até Quibaxe. Afinal a economia não podia cessar. Parar era morrer, era depor os braços ao infortúnio. O comando protegia, o comando lutava por Angola, o comando defendia os fazendeiros e os patrões, o comando morria por uma coisa que diziam ser a Pátria ou pela colheita de uns sacos de café. Guerra sinistra e madrasta para muitos e benfeitora para outros – dilatando os seus lucros e reduzindo os seus escrúpulos. Os soldados expiravam com honra, pelo caminho da Eternidade, encomendados pelo caridoso antifonário clerical na Basílica de Fátima e outras… quero lá saber quais! O que sei é que depois dos cânticos se abatia um silêncio padecido, enrolando as famílias. Venturosos filhos, tristes mães! Sangue vertido pelo outro, pelo colonialista, pelo amigo negro ou branco, que o destino pôs na guerra, ou a desdita de ter nascido uma vintena de anos mais cedo. A morte gotejando das armas, a vida na suspensão das horas. A guerra. Só a guerra no enxergar dos dias. A terra e a família em saudade angustiada, nas horas que não passam e notícias que não se querem, mas que são esperadas. Não chegam! Estarão perdidas no nevoeiro das distâncias, por entre gritos de raiva ou raivas de já não poder gritar? Do mal, o menos: que hajam gritos e raivas… mas que hajam!
(…)
Estávamos de regresso. Foram quatro horas de batalha dura, mas o Dever foi cumprido. Os Caçadores retiraram com nove mortos e onze feridos. Nós e os da 2042ª apenas tivemos seis feridos ligeiros. Quanto aos turras… não sei! O que sei é que o capim ficou manchado de vermelho e que as hienas e os mabecos iam, de certeza, fazer enormes festins durante as noites seguintes.
– Não, artilheiro. Prefiro estar contigo neste jipe porque nunca foi atacado; eles fogem da artilharia – disse o alferes, sorrindo na cor da adrenalina, ao mesmo tempo que se encostava no banco lateral e acariciava a sua FBP.
– Ponha-se a pau, que alguns deles conseguiram escapar e ainda estão por aí, meu alferes! – Respondeu o artilheiro Bielas, desviando-se para o oficial se acomodar melhor num dos velhos assentos em tiras de madeira.
– Agora, que tenho cá o meu amor, mais se apertam as ideias sobre toda esta nojeira. Parece-me que estou a ficar com mais "cagaço" – retorquiu o oficial.
– Previna-se, meu alferes, que isto é uma bola, que Deus ou lá o que é faz jogar, e a vida pode ser curta – respingou o Bielas, entortando os lábios pálidos de medo, e continuou: – uma boa mirada do cão e um dedo no gatilho fazem "lerpar" um gajo num instante, nesta maldita terra que dizem ser nossa, isso é que é uma verdade! – E passou a mão pela arma, num gesto de fascínio e conforto.
– Estou de acordo, amigo – continuou o alferes Lourenço, apertando a correia do capacete – mas agora vamos mas é descansar porque já fizemos a nossa obrigação.
Íamos começar a rodar. Em pé, em cima do banco do Unimog e amparado por soldados, eu tentava, com a ajuda dos binóculos, detectar algum movimento suspeito. Nada. Apenas vultos imóveis e desconjuntados, espalhados pelo capim. Obra do Diabo ou o diabo de uma obra inacabada?
– Santos, – gritou-me o capitão Teles – Chumbo terminado?
– Certo, meu capitão. Os cães adormeceram.
– Eh, Palancas, estão prontas?
– Sim, meu capitão. Os cães não acordam. – Respondeu o alferes Lourenço.
– Então, siga que se faz tarde. Atenção que alguns podem não estar a dormir. Queimem, queimem… é preciso luz.
Num ápice, dezenas de granadas ofensivas voaram para a cama de capim onde os cães dormiam o sono eterno. Os motores roncaram e iniciamos o regresso. Alguns soldados, já bêbados, comemoravam, ao desafio com os mabecos, a crueldade da esmagadora vitória. Uivavam sem tino, como se de repente o espírito do cão lhes enovelasse a mente. Por vezes acalmavam, por entre arrotos de cerveja quente.
Um clarão, um estampido!
Ainda os carros não tinham parado e os dois grupos já mergulhavam na terra barrenta e avermelhada.
Silêncio, nem um restolho!
– Dois cães na mira, meu capitão! Estão feridos. – Gritou o artilheiro.
– Estás à espera de quê, anormal?
Uma rajada infernal eliminou-os.
A coberto da selva virgem, – de mil segredos, de onde Deus se ausentou, talvez para fazer de conta que não via os guerrilheiros, caídos na sua graça, coibindo a expansão da fé missionária que o imperial e moribundo esqueleto pátrio teimava em proclamar – foi montada uma cobarde emboscada, no desespero da perda de centenas de capangas impreparados, mas doutrinados em valores ideológicos desconexos. Quem sabe se alguns deles não estariam hoje sentados em douradas cadeiras da corrupção, forjando anéis de madrepérola para os seus dedos, à custa dos dedos cortados das mãos de quem os ergueu.
Mas também nós, guerreiros da Pátria atraiçoada, não podemos esquecer os veneráveis colonos analfabetos perdidos pelos sertões, banzados e incrédulos, movidos pela voragem dos tempos; amantes de negras, criadores de mulatos, bêbados pela ânsia do dinheiro mas… ignorantes, perdidos na vertigem das horas, em cálidas noites de batucada merengue!
Enquanto seis batedores rastejavam até uma clareira próxima, no sentido de nos fornecerem quaisquer informações de realce, o capitão ordenou a contagem. Faltava um!
– Lourenço, Lourenço – gritava eu, com uma dor apertada na alma.
Já no crepúsculo do dia, rasando os jipes, Unimogs e Berliets, surgiu a imponente figura do Bielas. Com a boca refegada pela raiva, levantava o corpo do alferes, braços inertes e pendentes, como dois falos de um qualquer Diabo impotente e anormal. As pernas tombadas para um lado, a cabeça caída para o outro, na preguiça ainda quente da morte. Tragédia montada, mas não esperada, e o efeito de catarse em todos – como se um herói como ele, precisasse das nossas lágrimas!
Exilado da vida, sem Deus, nos confins do maldito sertão, arrefecia na triste solidão de um dia a riscar do calendário das memórias.
– Onde pára esse gajo… esse a quem chamam Deus? – Bramia o artilheiro, tremendo, com os olhos nas alturas enquanto se espumava de raiva. Chorava, mas delicada e docemente, depositou o corpo na padiola.
Uma pequena mancha acastanhada sujava o cartão de identidade que o alferes Lourenço trazia no bolso da camisa, do lado esquerdo, bem por cima de um coração de ouro. Num momento, sem aviso, as negras parcas cortaram brutalmente os ténues fios de vida de um elegante cavaleiro de olhos azuis. Não merecia, ainda, ser transportado na Barca de Caronte. O Paraíso, se existe, bem podia esperar mais uns anos. O alferes era muito mais útil aqui, a cuidar das crianças doentes.
Dizia-me ele, dois dias antes, num jantar a quatro no restaurante Amazonas:
– "Eh pá, sabes… talvez eu vá ficar por cá quando acabar a comissão. Já o disse à Sónia. Custa-me tanto ver todas essas crianças estropiadas, esfomeadas e com tão poucos médicos habilitados a tratá-las! Imagina que não há um único pediatra nos hospitais de Luanda. Dá para acreditar?"
E agora, algum Deus tem piedade desses meninos a quem o médico se queria devotar? Não. A resposta sentia-se no enervante silêncio raso à "picada". Silêncio arrependido e envergonhado, silêncio traidor que se propunha enrolar a alma até ao Barqueiro. Como um fardo, seria transportado por entre os odores da morte que nos chegavam das silhuetas avermelhadas dos morros sacudidos pelo vento, que gemia árias do Inferno nas hastes do capim. Sinfonia sem músicos ou maestros, ou compassos, ou timbres. Tão só, um toque de finados, perdido nos ecos do choro de guerreiros que se disporiam a sentar-se no lugar do alferes, naquela maldita Barca.
E o "seu amor" em Luanda, Penélope sorridente, aguardando mais um regresso do seu amante, marido, médico e guerreiro! Quem lhe iria dizer:"Sónia, és mais uma viúva da Pátria – que brevemente irá ser vendida – e, então, receberás uma medalha e um ósculo cínico de um qualquer D. Sebastião surgido do cobarde nevoeiro da traição, para se tornar Presidente e a quem, eternamente, deverás gratidão!"
«E julgareis qual é mais excelente / se ser do Mundo Rei, se de tal gente.»
Os heróis nunca morrem, por isso eu sei, amigo Lourenço, que naquele segundo, entre o Cá e o Lá, gozaste o canto do Poeta:
«Esta é a ditosa Pátria minha amada / À qual se o Céu me dá que eu sem perigo / Torne, com esta empresa já acabada, / Acabe-se esta luz ali comigo.» (…)